Posse da terra

por Fernando Nogueira da Costa 

Três personagens assinariam o drama que se desenrola no Bairro dos Índios, em Barra de São João, em torno do movimento pela conquista da posse da terra: o ocupante inicial ou desbravador – que seria o pescador, o imigrante recém chegado em busca de uma ocupação para subsistência, e o veranista em busca de lazer, da vida bucólica nos fins de semana.

Esse, conhecendo o aprazível local, compra, inicialmente por baixo preço em relação aos vigentes nas grandes cidades (ou usando algum tipo de artimanha) o direito à posse – não registrado – do terreno ocupado pela humilde casinha de pescador. Para esse, a nível imediato, consiste num bom negócio pois, com esse pequeno capital, reinveste na construção de uma moradia um pouco mais adiante (deixando a praia para os turistas) e na compra do desejado barco de pescaria, instrumento de trabalho que lhe daria uma maior independência em relação ao único comprador de peixes no local, o “capitalista” dono da maioria e dos melhores barcos.

Com o movimento crescente de “construção civil”, ou seja, oportunidade de eventuais biscates como pedreiro ou outros serviços, e a chance de conquistar espaço para a sua residência, afluem uma multidão cada vez maior de imigrantes desempregados nos centros urbanos, que passam a disputar terrenos.

Essa “fuga do trabalho assalariado formal”, se não obtém níveis de renda tão elevados, pelo menos é facilitado por uma vida comunitária mais rica, onde a “ajuda mútua” é algo cotidiano. Por outro lado, a posse da habilidade, mais o instrumento de trabalho e a residência própria, dá a esse trabalhador uma sensação de autonomia maior, liberdade essa que não possuía na situação anterior.

A vinda dos veranistas representaria, a primeira vista, uma vantagem para os habitantes locais: permitiria não só a venda da casa por um valor acima da expectativa, como também o comércio de peixes e camarões nas “temporadas de verão” com um sobre-lucro, além da possiblidade eventual de emprego da força de trabalho feminina para o serviço doméstico junto as famílias veranistas.

Porém, a longo prazo, a situação tende a reverter. Afastada da orla marítima, cai o valor patrimonial da moradia. Com a crescente poluição do rio São João (por despejo de esgotos, de vinhoto da destilaria de álcool situada rio acima, dragagem ou mesmo desmoronamento de suas cabeceiras) e a pescaria predatória, verifica-se uma nítida e acentuada queda da piscosidade da região. Os pescadores necessitam afastar-se cada vez mais do local para conseguirem um bom resultado de pesca. Com isso, o que aumenta seus custos, e com controle de preços por parte do único comprador local, há um esmagamento dos lucros nessa atividade. Por fim, há uma deterioração das condições de vida local, com a quebra das relações comunitárias, pelo aumento da disputa de terras e a competição por trabalho ocasionado pela incessante imigração. Constituem-se assim novos “fatores de repulsão” para a emigração de pescadores com destino a outras regiões pesqueiras.

Por outro lado, a inevitável futura legalização de posse das terras (lotes) e a ocupação total da região darão margem ao giro especulativo dos terrenos. Uma provável urbanização das grandes empresas imobiliárias, que já expandem seus negócios pela costa fluminense, o afastamento dos “imigrantes proletários” para a periferia, e estarão reconstituídas as condições de existência urbana anteriores. A “queda do bucolismo” que atraía a sonhadora classe média…

Capítulo da tese de mestrado em Comunicação Visual da PUC do Rio de Janeiro, Bairro dos Índios: imagens de construção, destruição, reconstrução