Em 2004, foi publicado o livro precursor O homossexual visto por entendidos pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (www.clam.org.br) em conjunto com a Editora Garamond, coleção sexualidade, gênero e sociedade. Em 1975, Carmem Dora Guimarães convidou-me para realizar a documentação fotográfica que acompanhou sua dissertação de mestrado, de mesmo nome. Defendida em 10 de novembro de 1977, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ.
No prefácio Um trabalho Pioneiro, do livro O homossexual visto por entendidos, Gilberto Velho, o orientador de Carmita a apresenta: …o esforço pioneiro de Carmita ao estudar a temática do homossexualismo na sociedade brasileira, através de um cuidadoso trabalho de campo que teve como ponto de partida uma rede de conhecidos e amigos da Zona Sul do Rio de Janeiro. Nesta época não eram poucos os preconceitos e resistências em relação a trabalhos de antropólogos sobre meio urbano e, particularmente, sobre desvio.
Gilberto Velho prossegue: o trabalho não foi publicado durante a vida da autora… Ainda assim, tornou-se referência para várias gerações de estudiosos do desvio, de sexualidade e, especificamente, da homossexualidade. Através de xerox, muitas cópias se espalharam pelo país e mesmo fora dele. Foi exaustivamente consultado…
Na conclusão de seu livro, página 110, Carmita explica as reações contrastantes provocadas pelas situações do trabalho fotográfico realizado durante o carnaval, à noite, na Praça Tiradentes e durante a manhã, na praia: O trabalho realizado com indivíduos desconhecidos na faixa de praia de frequência homossexual suscitou reações nitidamente agressivas. Este confronto entre duas situações distintas (carnaval e praia) de um mesmo espaço social demonstra, mais uma vez, a especificidade do tempo/espaço da ação social para cada identidade homossexual. Aquele espaço de praia de alta visibilidade pública e por isso sem máscara, demanda uma cobertura social invisível necessária para garantir o anonimato relativo daqueles homossexuais não identificados como bichas.
Além da seleção de imagens aqui apresentadas, documentei alguns apartamentos de membros do grupo estudado. Estimulada pela estreita convivência e por longas conversas com a autora abordei o tema outras vezes em anos subsequentes.
Observei, ao acompanhar a fotógrafa Ana Regina Nogueira – na entrada do Teatro São José, no centro da cidade e no desfile da Banda de Ipanema – que os travestis focalizados pela objetiva se dispunham prontamente a “fazer pose”, expressando um tipo de gesticulação estereotipada e caricaturesca da mulher, visando maior destaque e manchete. No carnaval são muitos os fotógrafos que registram aqueles travestis para revistas e jornais nacionais e internacionais, sendo sua presença gramatical uma forma de valorização e reconhecimento de seu bom gosto ou imaginação criadora. Juntamente com esse indivíduos de exagerada agressividade jocosa, outros pares mais discretos também se deixaram fotografar – pois na permissividade do carnaval, tudo, ou quase tudo, se explica.